Foi inaugurado no mês de abril na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, o primeiro Museu da Liturgia da América Latina. Desejo antigo do historiador Olinto Rodrigues, do Padre Ademir Longatti e de toda a comunidade tiradentina, que ansiava por um local adequado e seguro para o armazenamento e exposição do rico acervo pertencente à Paróquia de Santo Antônio, a construção do espaço se tornou possível por meio do apoio direto e não incentivado de R$ 8,8 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Banco investirá, ainda, R$ 1,7 milhão para a manutenção da instituição em seus quinze primeiros meses de funcionamento, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Concebido, coordenado e implantado pelo
Santa Rosa Bureau Cultural, o projeto contemplou a recuperação de mais
de 430 peças dos séculos XVIII a XX, entre pinturas, prataria,
ex-votos, esculturas, imagens, objetos em metal e madeira, paramentos,
missais e outros artigos religiosos de diversas tipologias. Tombado
pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o conjunto permaneceu
guardado em sacristias durante longo período, estando em acentuado
estado de deterioração.
Para abrigar o Museu da Liturgia, seu
histórico prédio também foi restaurado. A edificação, construída para
uso residencial no começo do século XVIII, foi doada para a Paróquia de
Santo Antônio em 1893, se tornando Casa Paroquial. Para a instalação do
museu, todos os elementos característicos da construção (que sofreu
três acréscimos durante o século XX, totalizando 553 m2) foram mantidos
ou recuperados, incluindo suas cores originais. Um novo anexo, com 185
m2, foi levantado ao fundo para abrigar a reserva técnica e o espaço
educativo.
O projeto museográfico criou um espaço
de linguagem e ambiência contemporâneas, com belas e sensíveis
instalações audiovisuais que dialogam com os objetos expostos. “O anseio
do museu é proporcionar um outro tipo de experiência frente a um
acervo estático. É criar uma atmosfera para que o visitante seja
transportado para um outro universo e viva um momento de imersão
cultural e transcendência, independente de sua crença ou religião”,
afirma Eleonora Santa Rosa, diretora do Santa Rosa Bureau Cultural e
ex- Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais (2005-2008),
responsável pela concepção da iniciativa.
Diretora geral do projeto de
implantação, Eleonora convidou para equipe técnica de conceituação do
museu o designer Ronaldo Barbosa (responsável pelo projeto museográfico,
visual e concepção arquitetônica), o filósofo Carlos Antonio Leite
Brandão (responsável pelo conteúdo e textos de base), o Padre Lauro Palú
e o Padre Marco Antonio Morais Lima (assessores litúrgicos) e reuniu
uma equipe multidisciplinar que gerou 380 empregos diretos e indiretos.
Desde sua abertura, a direção do museu está a cargo de Maria Cristina
Seabra de Miranda, arquiteta e especialista em preservação do patrimônio
histórico.
Percurso Museográfico: Uma visita ao museu da liturgia
O
pátio externo, uma área de cerca de 260 m2 aberta ao público, é um
espaço de acolhimento e reflexão, uma ruptura com o mundo cotidiano. O
muro de pedra teve sua extensão original recuperada e ganhou um painel
com símbolos que são reconhecidos durante a visita ao museu. Sete
totens, inspirados em antigos confessionários, reproduzem salmos,
provérbios, trechos do Genesis, Eclesiastes e a trilha sonora do museu
composta com exclusividade por Marco Antonio Guimarães, fundador e
diretor do grupo de música instrumental Uakti, reconhecido
internacionalmente.
O piso de cimento liso tem intervenções
em mármore e granito, compondo tapetes em pedra que lembram estruturas
encontradas no Vaticano e estão posicionadas aos pés dos bancos,
instalados sob as copas das árvores. Uma mesa com treze assentos
dispostos de um único lado faz referência à Santa Ceia, mas é usada como
suporte para a linha do tempo, que traz informações sobre a cidade e o
museu. Ao fundo, uma espiral de pedras sobre o chão cimentado,
inspirada no labirinto da Catedral de Chartres, convida o visitante a
uma pequena caminhada de meditação e busca interior.
O
hall de entrada estabelece uma relação entre a liturgia, a cultura e a
comunidade civil, prestando uma homenagem à população tiradentina. O
mosaico no chão representa os tradicionais tapetes de serragem
confeccionados para festejos culturais e religiosos da cidade e a “tela
trilho” – conjunto de monitores dispostos verticalmente na parede –
exibe imagens de celebrações filmadas durante o ano passado em igrejas e
nas ruas de Tiradentes e região.
De pé direito alto, o hall é o único
espaço que liga a parte térrea (o antigo porão da Casa Paroquial), onde
estão as salas ‘Liturgia da Palavra’ e ‘Eucaristia e Páscoa’, ao piso
superior do museu, com as salas ‘Sacramentos e Sacramentais’, ‘Devoção
Popular’ e ‘Gestos Litúrgicos’.
A sala ‘Liturgia da Palavra’ é dedicada
aos ensinamentos e aos que difundiram a palavra divina. Reúne elementos
diretamente ligados à leitura e ao conhecimento, como os missais
(livro de orações e textos utilizados nas missas durante o período de
um ano) e suas estantes de apoio, e artigos que compõe o ambiente
adequado para a transmissão da palavra, como os paramentos (vestes
oficiais do clero nas funções do culto divino). Destaque para a ‘Estola
de veludo com galões e franjas’ (séc. XIX), produzida com fios de
ouro, e o ‘Missal romano’ (1721, Bélgica), uma das peças mais antigas
do acervo e a que demandou maior esforço de recuperação.
Seguindo o percurso, o visitante chega à
sala ‘Eucaristia e Páscoa’ (o principal sacramento e o mais importante
ciclo litúrgico), que exibe as paredes de pedra originais da casa e
teve o cimento liso do piso também empregado nas bases e suporte das
peças, dando amplitude ao espaço e foco nos objetos expostos. Duas
grandes bancadas envidraçadas ocupam a maior parte da sala. Uma reúne
30 castiçais e dois pares de candelabros em prata e a outra, 18
castiçais de estanho e 18 castiçais mais três tocheiros em madeira,
todos dos séculos XVIII e XIX.
Entre cálices, turíbulos (ou
incensórios), galheteiros e navetas (para guardar incenso), há uma
trabalhada ‘Urna do Santíssimo ou dos pré-santificados’ (séc. XVIII), em
madeira recortada e entalhada, que tem fechadura à chave para o
armazenamento das hóstias da missa de Sexta-feira da Paixão, e um
raríssimo conjunto de três ‘Palmas de altar’ (séc. XVIII e XIX), de
papel, madeira e malacacheta, que são as únicas restantes em Minas
Gerais.
No
pavimento superior, a sala ‘Sacramentos e Sacramentais’ abre espaço
para o dia-a-dia da fé. Apresenta peças usadas nos ritos dos sete
sacramentos, como uma concha de batismo, um confessionário e os frascos
dos Santos Óleos, e nas práticas cotidianas de comunhão com o divino,
como a pia de água benta, crucifixos e imagens de Cristo, como a
escultura ‘Senhor da Coluna’ (séc. XVIII), de João Ferreira Sampaio, que
representa a flagelação de Cristo, despido de suas vestes e atado à
coluna do palácio.
A sala ‘Devoção Popular’ representa as
muitas celebrações religiosas de Tiradentes. Todos os itens expostos no
Museu da Liturgia podem ser solicitados para o uso da comunidade nestes
festejos, como as lanternas e cruzes processionais ou as imagens de
santos cultuados na cidade, como Santana Maestra, padroeira dos
mineradores, carpinteiros, marceneiros e dos lares.
Entre as imagens, há diferentes
exemplares de roca, produzidas em estruturas de madeira e vestidas com
trajes de tecidos, que transmitem realismo e são usadas em procissões.
Destaque para a escultura de ‘São Jorge’ com escudo de centurião (séc.
XVIII), de Antônio da Costa Santeiro, que, esculpida em escala humana e
com articulações nas pernas, saía na procissão de Corpus Christi
montada em cavalos.
Este espaço apresenta ainda três
pinturas do artista tiradentino Manoel Victor de Jesus, como ‘Nossa
Senhora do Desterro’ (1788), uma extensa vitrine com 43 resplendores e
seis diademas, que adornam as cabeças de santos e santas,
respectivamente, e um conjunto de nove pinturas de ex-votos,
acompanhadas por uma bancada com 26 mãos de imagens de roca.
A
última sala do museu foi destinada aos ‘Gestos Litúrgicos’. O
ambiente, especialmente iluminado e com a trilha sonora mais presente, é
um convite para que o visitante, no final do percurso, se sente e
assista ao vídeo, e se integre às belíssimas imagens exibidas em um
mosaico com onze monitores, que retrata sinais simples, mas cheios de
significados, como juntar as mãos, erguê-las aos céus, ajoelhar-se ou
simplesmente inclinar a cabeça. “Queríamos proporcionar uma culminância
no percurso museográfico possibilitando um sentimento de paz e
tranquilidade ao término da visita e optamos por este impacto
silencioso”, explica Eleonora Santa Rosa.
Projeto educativo e multimídia ampliando o conhecimento
Com a proposta de explorar as relações
entre o passado e o presente e entre o patrimônio material e imaterial a
partir de peças do acervo, o projeto educativo do Museu da Liturgia
foi especialmente concebido de maneira a atender aos diferentes
interesses de grupos, sejam eles moradores de Tiradentes ou turistas,
jovens ou adultos, religiosos ou não religiosos. Para as crianças,
marionetes e jogos lúdicos possibilitam trabalhar e ampliar os
conteúdos de forma divertida. Um livreto informativo e monitores
treinados presentes nas salas expositivas auxiliam o visitante
independente.
O Museu da Liturgia conta com dois
terminais multimídia (um na sala ‘Sacramentos e Sacramentais’ e outra na
sala do educativo) com tecnologia touchscreen e um grande volume de
imagens, vídeos, textos explicativos, documentos históricos, mapeamento
da edificação e fotos referentes ao acervo. Também disponível em versão
resumida no site www.museudaliturgia.com.br, esse conteúdo permite a análise dos eixos temáticos abordados no museu e o aprofundamento no universo litúrgico.
Para entender mais sobre o projeto de restauro do acervo e a construção do Museu da Liturgia, acesse o link http://vimeo.com/44340154 e assista ao vídeo.
Fonte: Site do SSVPBRASIL
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